O pássaro cantava e voava todas as manhãs, à mesmo hora, passando pelos mesmos lugares. Abria as asas e deixava-se ir, ao som da sua própria melodia. Era feliz. A sua vida era tão simples! Bastava-lhe acordar e voar.
Voava sozinho. Mesmo que estivesse acompanhado por outros pássaros, o seu vôo era apenas seu. Mais ninguém saberia sentir o que ele sentia naquele momento. E isso deixava-o contente. Aquela vida era apenas sua e de mais ninguém. Era um tesouro!
Tal não fazia dele um pássaro egoísta. O seu canto alegre contagiava tudo aquilo em que o ar conseguisse tocar e ele voava tão bem em bando, quanto isolado. Os outros pássaros amavam-no por isso.
Sentia que, no fundo de si, por mais que partilhasse com eles os seus vôos e melodias, ficaria sempre Algo que ninguém mais conseguiria tocar, alcançar - algo no seu interior que não tinha nome, nem forma. Esse Algo encontrava-se num lugar tão profundo! Só ele conseguiria lá chegar...
Um dia, o Algo tomou forma, quem sabe num sonho ou num vôo meditativo, e conversou com ele.
"Sabes quem sou?", perguntou.
"És Deus?"
"Um pássaro com noção de Deus... Hmm! Tu não és um pássaro qualquer, sabes?"
"Porquê? Os outros pássaros não têm noção de Ti?"
"Não é por isso. É que tu não és um pássaro!"
Silêncio...
"Não sou?? Então o que sou???"
Silêncio, novamente.
O Algo olhou-o profundamente. Só Amor saía dos seus olhos.
"Então, não me respondes? Fazes-me perceber que não sou o que penso ser... e não me ajudas?"
"Achas mesmo que ainda não sabes?", respondeu o Algo, compassivo.
Silêncio profundo.
"Suponho que sei...
Sou Algo mais do que isto, Algo mais do que estas asas, Algo mais do que este corpo. Sou Algo maior, Algo abrangente, Algo que não tem limites...
Mas o que é Isto? O que chamas a Isto?"
"Chamo-lhe 'Eu em Ti'. 'Deus em Ti'.
...
Tu não és um pássaro, Susana. Acorda!
Tu não és este corpo, Susana. Acorda!!"
Acordo.
Eu não sou este corpo.
Eu não sou estas dores e estas alegrias.
Eu não sou nada disto. E sou tudo.
Simplesmente, sou. Estou aqui. Para que Tu te experiencies através de mim, para que Tu te manifestes. E o Amor... Oh, quanto Amor há aqui, nisto, nesta vivência! Amo-te. Obrigada.